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quinta-feira, 3 de abril de 2014

A relativa passividade turca

Uma coisa me intriga muito - e creio que não só a mim, mas a maioria dos amigos estrangeiros que tenho comentam o mesmo sobre seus turcos mais próximos. O "yapacak hiç bir şey yok" (não há nada que possa ser feito) é quase um mantra por aqui.

Não sei se são os turcos de İzmir, não sei se são apenas os que me rodeiam, mas o fato é que clamar os próprios direitos não é lá muito hábito deles. Será?

Depois que descobri o Şikayet Var (www.sikayetvar.com) não tenho dúvidas na hora de sentar o dedo no teclado e mandar bronca. Seja o mau atendimento de algum restaurante, seja o carro de empresa cujo motorista jogou lixo na rua ou dirigiu perigosamente colocando em risco a vida de outrem.

E tem muita gente lá reclamando também! Entre no site só por curiosidade e escolha a categoria de reclamação. Outro dia uma moça mandou uma bem inusitada: deu queixa do seriado "Kurtlar Vadisi" que está há 10 anos no ar e toma a atenção do marido dela todas as quintas à noite. Fora que o marido grava os episódios e assiste as reprises frequentemente. Eu apertei o botão de "destek" (algo como "dar apoio") e deixei meu comentário. O recurso "destek" não existe mais, infelizmente.

Não estou certa, mas creio que o time do "şikayet var" é bem menor que o "yapacak hiç bir şey yok".

Ontem numa conversa na casa dos meus cunhados só me fez pensar ainda mais sobre isso. Falando sobre atendimento médico, eles estavam elogiando o sistema, em sua totalidade, todos os hospitais particulares, e que está muito melhor do que 30 anos atrás.

- E minhas amigas mesmo falam: ah, o médico não gritou comigo então ele é um bom médico. - disse minha concunhada.

- COMO? "O MÉDICO NÃO GRITOU COMIGO ENTÃO ELE É UM BOM MÉDICO??????"

O conceito deles de bom se baseia nisso, porque a 30 anos atrás era tão ruim, mas tão ruim que mesmo quando o atendimento é meia-boca tá bom.

- Porque muitos ainda veem o médico como se fosse Allah. - completou.
- Eu vejo médico como um profissional e eu a cliente. E como o cliente paga, o cliente tem razão.

Dae o boca aberta do meu cunhado, o "dono da verdade absoluta do universo", começou com o discurso dele baseado em nada: ele compara a Turquia com a Europa (nunca morou na Europa) e fala para eu deixar pra lá porque eu só passo nervoso a toa perdendo tempo em reclamar.

Dessa vez eu respondi.

- De que adianta você reclamar, com você eles fazem de um jeito e com os 500 que vêm depois de você volta a ser a mesma porcaria.
- Mas e eu com os 500? Eu não estou nem aí com eles, eu quero saber de mim!

Ele não esperava essa resposta. Até parou de falar e ficou me olhando.

- Mas ninguém pode mudar isso. Uma pessoa só não muda o sistema ...
- Ué, Atatürk não mudou?
- Atatürk não fez bosta nenhuma se tivesse feito não estaríamos nessa situação. - respondeu esse absurdo só pra não ficar por baixo. Ainda bem que eu tinha duas testemunhas, incluindo a esposa dele.

Sem venerar Atatürk, mas falar que ele não fez nada beira o pecado. Ele fez, fez pra caralho mas e depois? E os que vieram depois?

Tem muita gente engajada, de todo o lado. Falar que todos os turcos não têm iniciativa é errado. Assistimos recentemente a onda de protestos em diversas capitais turcas. Essas pessoas estão longe de serem passivas.

O que posso concluir é que, os que são passivos o são em demasia!