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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Quando abrir o portão de casa foi pesado demais para mim ...

Pago o taxista usando o seu cartão. Estranho ... geralmente você quem faz isso por mim.

Procuro a chave do portão de casa na bolsa ... Isso é igualmente estranho, a chave eu só levo como acessório comigo; você sempre abre o portão e a porta.

Acendo as luzes. Nossas conversas animadas de quem chegou de algum lugar divertido são caladas pelo silêncio da falta da sua companhia.

A última visão que eu carregava era do seu corpo nu, e eu colocando uma fralda seguindo as instruções da enfermeira. Aquilo me deu um embrulho no estômago, e lembrei de pessoas que relataram a hora de dar o último banho no ente querido que acabou de partir ...

Pálido. Mas não aquele branco que lhe é típico, da tez clara. Pálido-amarelo-quase morte. Por que não se cuidou mais? Por que brigou comigo quando eu quis cuidar de você???

Visto sua camisola, pelo todos os seus pertences. Você ainda sorri, com suas últimas forças e me acompanha entoando uma música turca super triste que diz algo como "nu vim para esse mundo e nu o deixarei..."

Acendo a luz da cozinha, da sala ... do banheiro também. Pra quê tantas luzes acesas com uma pessoa só em casa?

Talvez meu inconsciente buscasse a sensação da casa estar cheia.

Minha mãe faz o telefone gritar. E o celular chama com outro amigo querendo notícias. E o meu celular.... O android do meu marido parece uma panela estourando pipoca. Em seguida o meu também.

Só em casa, mas acompanhada em pensamento por muita gente querendo saber do Mustafa. Isso me deixou feliz, muitas orações e energia positiva. Bom saber que ele é querido, muito querido.

Quando a maratona com o telefone-WhatsApp terminou eu tive medo desse telefone tocar, com um telefonema do hospital ...

Deito na cama sem arrumar. Vontade mesmo foi de abrir o sofá cama e me deitar lá, em respeito ao nosso leito que ficara vazio. Mas mudar a rotina poderia me trazer mais peso e decido me deitar na cama bagunçada mesmo. Durmo logo, mas acordo muito cedo achando que você me chamou.

No dia seguinte vou visitá-lo e não queriam me deixar entrar porque na emergência as visitas só acontecem à tarde. Minha preocupação era a dele não entender as pessoas, do português dele não ser suficiente.

Eu bem sei a merda que é ficar doente fora do país de origem...

A enfermeira passa com a maca onde meu marido está deitado, naquele momento ele estava sendo transferido para o setor de observação, onde visitas eram permitidas naquele horário. Largo o médico falando sozinho e corro na direção do meu marido.

Eles, achando que eu era estrangeira também, param ficar assistindo a gente falando em turco.

Duas noites ... hoje vou com um amigo - que subiu a serra logo cedo - para ver o amigo. Haviam brigado por bosta-nenhuma e ficaram meses sem se falar. Lembro da minha amiga, finada Monica: uma vez brigamos por besteira pela internet. Ainda bem que ela - assim como ele - deu o primeiro passo para desfazer o mal entendido antes de "ir ter com o juiz antes de mim". Ela se foi anos atrás por causa dum acidente de carro. Ainda bem que estávamos de bem quando a hora dela chegou. Ainda bem que os dois turcos fizeram as pazes e espero que ambos vivam muitos anos para continuarem a amizade que já dura uns 40 anos ou mais.

Quando chego com ele lá, vejo que meu marido fizera amizade com a maioria dos enfermeiros - tinha um, de óculos, alto e gordo, que queria abrir "um lojinha" com o "sócio turco" rsrs.

Toda a equipe médica do Hospital Sorocabana e Hospital Municipal de Pirituba são heróis por prestarem atendimento à população sem terem recursos suficientes para isso. Verdadeiros Macgyvers da medicina, que honram seus jalecos, mas que infelizmente não têm o respaldo dos nossos governantes.

Obrigada a todos pelas orações, torcida, vibrações positivas. Obrigada aos médicos, enfermeiros que trataram meu marido muito bem. Mas agora chegou a hora de ele voltar para casa e se cuidar.

Beijo da Luci para vocês.