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sábado, 23 de agosto de 2014

Afinal, turco é tudo abelhudo mesmo?

Eu sei que muita gente assim que leu o título desse post disse "sim" em pensamento.

Gostaria de relatar algumas situações de pura abelhudice, e outras de gente sensata que sabe o que "privacidade" e "discrição" significam e de fato aplicam isso em suas respectivas vidas.

Ou seja, não podemos generalizar. Mas, a impressão que se tem é que o padrão de comportamento da maioria é este sim, de fazer perguntas de ordem muito pessoal mesmo sem haver intimidade para isso!

1a Situação: em Kemeraltı comprando tecido para uma cortina.

Entro na loja que estava cheia e fico olhando para um tecido que me chamou muito a atenção, todo rendado. Toco, acaricio e pego outro e fico em dúvida. Olho para o vendedor, que faz um sinal de que já ia me atender assim que terminasse com a cliente com quem falava, então me viro para olhar a rua e vejo uma senhora que ia andando, e olha para mim e entra direto na loja, vindo na direção do tecido que eu estava segurando.
- Nossa, mas que lindo! - disse, também pegando no tecido que eu estava tocando.
- É ... muito lindo mesmo, tanto que escolhi ele para fazer minha cortina.
- Mas escuta ... - em tom de autoridade, como se fosse minha mãe - você perguntou se precisa passar? Não porque precisa perguntar e blá blá blá ...

O tom que ela falou, como quem ensina uma menina a lidar com as coisas não me agradou nada e eu respondi:

- Minha senhora e eu lá quero saber de passar? Eu tenho coisas muito mais importantes do que ficar passando cortinas ...
Ela me olhou, com cara de ué e se mandou pela mesma porta que entrou.

Meu, fiz uma prece mentalmente, aquilo só podia ser o cão querendo tirar meu sossego ...




2a Situação: de férias em Fethiye, com marido e casal de amigos Noelia e Umit

Enquanto nossos maridos fumavam lá fora após o almoço, eu e minha amiga Noelia ficamos batendo papo. O lugar estava cheio de gringos - britânicos, em sua imensa maioria - e notei que um garçom passava de mesa em mesa, fazendo o social, puxando papo com um e outro. Até que veio à nossa mesa.
Ficou olhando, acho que pensando em qual idioma iria nos abordar. Talvez na dúvida se éramos turcas ou não.
Daí acho que eu ou a Noelia começamos a falar - em turco - e ele perguntou coisas básicas-clichê sobre nossos países, etc. Se despediu e foi embora.
Deu uns segundos ele volta, e eu já meio irritada por ele interromper nossa conversa, perguntei educadamente o que ele queria.
- Êêê ... e as crianças, cadê? - perguntou num tom de quem cobra algo.
Olhei pra cara da Noelia, espantada com a ousadia do desconhecido, e ela respondeu:
- Nós não temos filhos ...
- E por que ???
Daí minha educação acabou. Falei que não era da conta dele e que era muito feio ele perguntar aquilo. Ele escondeu o rosto com a mão, sorrindo sem graça e se mandou. 
Ah, eu depois mandei email registrando minha reclamação. Por que ele se achou no direito de invadir esfera tão particular? Por que éramos sulamericanas? Por que nossos maridos não estavam lá naquele momento?
Pra pqp...


3a situação: vocês são casadas?

Essa foi a melhor! Ainda em Fethiye com o casal de amigos nossos, eis que entro numa loja de suvenirs para comprar um bumerangue escondido do meu marido - que estava lá fora de novo fumando com o marido da Noelia. Como era aniversário do nosso casamento (do meu e do meu marido!) pedi para gravarem a data e os nomes atrás do bumerangue.

Ele gosta de coisas que remetem à Austrália.

E eu falei que era pro aniversário de casamento, com a Noelia ao meu lado, e o rapaz pergunta:

- As senhoras são casadas?

Eu fiquei puta e comecei a esbravejar, a Noelia - amiga argentina como ela só - caiu na gargalhada e ficou tirando onda da minha cara. Até falou "pensa bem, aqui o povo tem a mente mais aberta, porque recebe um monte de turistas estrangeiros e tals, se fosse em outro lugar da Turquia ele nunca faria uma pergunta dessas..."

E ainda me manda a foto que tirou da gente com o título "HUSBAND&WIFE"... tranquera mesmo kkk

Noelia e eu - não, nós não somos casadas ...rs

Agora abordando um pouco o pessoal que discorda desse jeito indiscreto do povo turco em geral: conversei com amigas turcas que acham sim "o fim do mundo fazer certas perguntas de cunho pessoal" e aconselhava a "não ligar, a fingir que não ouviu, a não pôr na cabeça mesmo...desencanar" porque o povo não tem limites mesmo e ensiná-los a ter bons modos é abrir brechas pra discussão certa: drama turco do tipo "ah mas eu só estou perguntando, nada demais!" e você ainda sai de "sensível demais" da história.

Perguntam salário, perguntam se o marido ganha bem ... perguntam muitas coisas mas nada de cunho sexual (ao menos não ouvi nada ligado a isso e nunca ouvi ninguém se queixando desse tipo de pergunta).

"- Tenho 50 anos, nunca me casei, nunca tive filhos. Fui noiva, não deu certo ... fazer o que? As pessoas passaram um bom tempo perguntando sobre ele, e eu toquei minha vida. Viajei muito, hoje me dedico a Associação e preencho o meu tempo saindo com os grupos. Não dou ouvido pra essas perguntas tolas." disse com o sorriso largo que lhe é típico Reyhan.

Meu sogro também é da mesma opinião sobre discrição. Certas perguntas não devem ser feitas, mesmo quando se tem intimidade com a pessoa. Ela se quiser abrir coisas particulares o fará, de livre e espontânea vontade.

Há defensores da curiosidade turca. Há os que têm consciência que sim, eles perguntam demais. Justificativa: uma questão de segurança.

Lembro um dia passando pela cidade natal do meu marido, ele resolve me levar para ver a casa onde nascera - a mãe dele entrou em trabalho de parto sozinha, no apartamento onde moravam.
Paramos em frente ao imóvel, descemos do carro. Enquanto ele me contava coisas de sua infância alguém saiu de uma casa vizinha umas 4 casas depois daquela que ele me mostrava.

- Pois não, posso saber o que vocês estão procurando aqui?

Uma perguntam como essas soaria insolente em SP, com respostas do tipo "Por que? O senhor é dono da rua?" ou "o senhor é segurança da rua?". Meu marido respondeu tranquilamente e o homem ainda olhava desconfiado, mas depois se retirou.

Meu marido me fala que há sim uma necessidade de saber quem mora ao lado. Em detalhes, para não haver contradição no que é narrado ... 
Em tempos de terrorismo, ninguém quer ter surpresas na casa ao lado.

Se te perguntam muito, o revide deve ser na mesma moeda: pergunte você também. Se a pessoa se incomodar, vai parar de te perguntar. A tendência é (ou deveria ser) essa ...