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sábado, 18 de janeiro de 2014

Repostando - Tudo uma questão de ponto de vista

Post originalmente postado em: 03/02/2012

Caro leitor, qual a cor que você vê na figura abaixo ?




Gelo ? Branco gelo ? Cinza ?

Todas as respostas estão certas, ou erradas se discordarem da minha!
Sim, essa é nossa linha de raciocínio no primeiro instante em que nos deparamos com algo que vem de encontro com nossos valores, nossa cultura.
Quando adotamos um país como novo lar, a empolgação pelo novo e as boas-vindas dos locais faz com que vejamos tudo perfeito, maravilhoso, quando muito exótico. Alguns chegam até achar o absurdo de terem aportado na Wonder Land. 
Com o passar do tempo, a sua ficha cai e você, que era turista se dá conta da sua nova condição, a de estrangeiro. E ser estrangeiro (que deriva de estranho) é o mesmo que ser forasteiro, esquisito, o E.T. mesmo.

"- Ah, mas no Brasil fazemos assim ..."

E eles lá querem saber como se faz isso ou aquilo na sua terra natal ? Você conhece o seu sistema, o modo operandis de boa parte das coisas com as quais estava acostumado(a) a lidar em sua vidinha cotidiana antes de decidir sair do seu país. Mas isso, amigo(a), ficou para trás. Algo do que você aprendeu nos seus anos em terras verde-amarelas vai te ajudar em sua nova pátria. Eu disse algo.

Antes que você insista sobre a cor acima se tratar de branco gelo, seguem abaixo alguns relatos para reflexão. O intuito desse post é levar pessoas que estão em fase de adaptação em outra cultura - ou auxiliando alguém neste processo - a tentar ver com outros olhos certas situações que podem ser fonte de muito incômodo. Lógico que certos valores de tão enraizados não podem ser mudados jamais, mas entender ajuda bastante...




Falklands İslands ou İlhas Malvinas ? Dias atrás li uma reportagem onde comentaram o absurdo do Exército Britânia ter enviado um navio de guerra para a ilha em questão tudo porque o príncipe Williams ia fazer uma visitinha por lá. A situação - pra lá de colonialista - não combina mais com o século XXI.

Foi o que eu comentei com meu marido, que num salto se pôs de pé do sofá da sala e iniciou um discurso inflamado:
- E daí que estamos no século XXI ? Não importa, é uma conquista da coroa Britânica!
- Mas Mustafa, hoje não faz mais sentido ... A ilha fica há milhares de milhas náuticas da İnglaterra, que diabos eles vão fazer lá ? Devolve logo pros Argentinos !
- NUNCA ! JAMAİS ! É como se devolvêssemos o Chipre para a Grécia, nossa moral iria aonde? Todo mundo iria perder o respeito pela gente!
- Mas nem se compara, né Mustafa ... ao menos o Chipre fica aqui na esquina ...
- Não interessa. Foi conquistada e ponto final.

E declarou vencida a discussão. Vai adiantar eu abrir a cabeça do meu marido e fazer com que ele mude de idéia ? NÃO, absolutamente não. Um povo que se orgulha de tantas guerras que venceram lá vão entender meu discurso pacifista. Mas outro dia eu cutuquei:
- Mustafa, seu país fez tanta guerra e tem um território tão pequeno. Nós não fizemos guerra nenhuma e olha o nosso tamanho, como você me explica isso?
Em tom de brincadeira ele me mandou calar a boca. Mas eu entendi. Ele ficou puto porque eu tinha razão.

Bem, os debates acima foram sobre assuntos que não impactam em nada em nossas vidas. O duro é quando nossos pontos de vista colidem em áreas mais perigosas, como ...

1 - Religião. Graças a Deus neste ponto o grau de divergência beira a zero, e nossa relação é baseada no respeito à diversidade religiosa. Conversamos sobre nossas religiões numa boa em casa e apesar de um cristão (!!!) ter me alertado para não falar muito de Jesus Cristo para o meu marido (?????) nunca tivemos problemas sobre isso. Outro dia cheguei até mesmo a falar que Cristo morreu por ele também, acredite ele ou não. Ele ficou pensativo.

Apesar de não comer porco ele me ligou do mercado perguntando se eu queria bacon.
- Ué, e eu vou cozinhar onde?
- Em casa, no fogão né? Que pergunta hein amor ...
- Mas não é mais proibido então? - até então porco não entrava em casa nem disfarçado de carneiro. Mas eu não autorizei a compra devido o preço absurdo!

Houve amigo dele que perguntou quando eu iria me converter. Ele declara de boca cheia "que não quer que eu me converta". Melhor assim. No mundo já se derramou tanto sangue por causa de religião e sinceramente essas contendas dessa natureza não são comuns de onde eu venho, a terra brasilis.

2 - Higiene

Se no quesito religião Allah e Deus convivem em paz, no quesito higiene já não posso dizer o mesmo. Outro dia catei a mãe dele querendo enrolar alguma-coisa-de-comer que agora não me lembro com jornal.

- "Anne", pelo amor de Deus a senhora não está fazendo isso ???
- Luciane, mas o Haberturk não solta tinta ...


"O Haberturk não solta tinta" ... meu, eu ainda tive que ouvir isso!



Já ouvi de tudo pra justificarem os hábitos que aos meus olhos beiram a bizarrice mas aos olhos deles está tudo dentro da normalidade:

- dinheiro turco não tem micróbios,
- a incidência de doenças transmissíveis por aqui não é tão alta, então as pessoas são mais relaxadas com esses hábitos,
- pega a pedra de gelo com sua mão então, já que brasileiro tem mãos limpas ... (isso foi desaforo mesmo)

O hábito de passarem o pão de mão em mão e um único copo com suco de uva na "ceia" na igreja evangélica (sim, o MESMO copo) para os irmãos da igreja beberem não me entra na cabeça de jeito nenhum ! (esse lance da igreja me chocou, nem participei da ceia por conta disso).
Mas esse costume - agora vendo com os olhos deles - denota proximidade, remonta às famílias numerosas das tribos nômades onde tudo era dividido - sim, passado de mão em mão.

Enfim, gelo, branco gelo ou cinza, já decidiu?

Só sei que se houver uma epidemia de SARS aqui ou gripe aviária não sobra um !
Este assunto vai longe, mas por enquanto fico por aqui. SE vc estiver na mesma situação fique aliviada por saber que não está só ...